ENQUANTO ESTAMOS DISTANTES
- Juan Pablo Lizana
- 4 de set. de 2023
- 15 min de leitura
Atualizado: 4 de set. de 2023
UM ESTUDO SOBRE PRINCÍPIOS BÁSICOS PARA ATENDIMENTOS À DISTÂNCIA EM ABORDAGENS PSICOCORPORAIS
Mariane Sobrosa Ramos
Sandra Mara Dall’Igna Volpi
RAMOS, Mariane Sobrosa; VOLPI, Sandra Mara. Enquanto estamos distantes: um estudo sobre princípios básicos para atendimento à distância em abordagens psicocorporais. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) 25º CONGRESSO BRASILEIRO DE PSICOTERAPIAS CORPORAIS. Anais. Curitiba: Centro Reichiano, 2022. [ISBN – 978-65-89012-02-3].
RESUMO: O que não pode ser deixado para trás na transposição dos atendimentos em abordagens psicorporais da modalidade presencial para a modalidade online? A necessidade de isolamento social (pela pandemia) promoveu um impulso para pensar, de forma mais profunda, os atendimentos em abordagens psicorporais à distância. Retomando o pensamento funcional e o fenômeno de sensação de órgão é possível aprofundar algumas reflexões importantes sobre as qualidades desejadas para um contato suficientemente bom, como base para um processo terapêutico nas abordagens psicorporais em atendimentos à distância.
Palavras-chave: Autorregulação. Pensamento Funcional. Sensação de Órgão. Terapia à Distância.
Desde o final do ano de 2019, com o avanço da Coronavirus Desease (COVID-19), doença causada pelo coronavírus1 (DICIO, 2022) e a consequente necessidade do isolamento social, o uso de equipamentos eletrônicos e informacionais tornou-se quase a única opção para o desenvolvimento de trabalhos, estudos e, até mesmo, de contato com familiares. Desde então, são inúmeras as adaptações nas diferentes áreas profissionais, bem como a busca por compreender as necessidades que cada serviço prestado à comunidade precisa assegurar, nos meios eletrônicos, para não perder a qualidade. Os profissionais que trabalham nas abordagens psicorporais estão realizando, verdadeiramente, algumas quebras de paradigmas. A sensação contraditória está em realizar uma terapia voltada para o corpo sem poder estar em contato direto com o corpo físico do cliente / paciente, ou seja, mediados por dispositivos e aplicativos que possibilitam ver, na maior parte das vezes, apenas partes do corpo do outro em uma imagem bidimensional. Os atendimentos à distância, com o auxílio da Internet, já vinham sendo realizados antes do surgimento da pandemia, principalmente em casos em que os clientes / pacientes precisavam se deslocar para outras regiões e queriam seguir seus atendimentos com um determinado profissional. Isso acontecia, muitas vezes, em decorrência de um vínculo já bem estabelecido presencialmente.
1 Coronavírus: tipo de vírus pertencente à família dos Coronavírus que, conhecido como SARS-CoV-2, causa uma síndrome respiratória aguda, grave e altamente contagiosa. (DICIO, 2022).
Revisitando conceitos utilizados nas abordagens psicorporais é possível compreender fenômenos importantes que caracterizam o contato entre cliente / paciente e terapeuta, e desta forma, aproximar-se de princípios básicos para o estudo dos atendimentos em abordagens psicorporais na modalidade à distância. Para pensar o contato terapêutico através de dispositivos eletrônicos é preciso levar em conta que tanto o território perceptivo como o ideológico estão sendo articulados pelo terapeuta. Assim, tanto o que se relaciona a um olhar expandido (a consciência), como a percepção visual em si, deve ser considerado. A proposta, neste estudo, é atualizar alguns pontos relacionados ao pensamento funcional, pois percebemos que esta é uma das formas de superar possíveis resistências e compor de maneira assertiva um contato em terapia, suficientemente bom, ancorando as características da Psicologia Corporal, na terapia à distância. Como esclarece Reich (2003, p. 275) “O pensamento funcional terá de ser reconhecido como uma das raízes fundamentais da natureza do homem, no mesmo nível que suas raízes emocionais e bioenergéticas no universo.” O fenômeno da sensação de órgão é, também, uma importante contribuição de Reich para a construção de uma percepção refinada no terapeuta. Este fenômeno, que qualifica o contato, é uma característica fundamental na terapia reichiana, talvez só encontrada nas abordagens psicorporais. Assim, este estudo tem como foco refletir sobre princípios básicos que qualificam o tipo de contato desejável na terapia, e que podem auxiliar na construção de vínculos consistentes nas terapias de abordagens psicorporais à distância.
PENSAMENTO FUNCIONAL O Pensamento Funcional (REICH, 2003) não é apenas uma teoria desenvolvida por Reich ao longo de sua vida. Podemos dizer que é um “sistema de pensamento” orientado pelo vasto conhecimento teórico, influenciado pelo campo filosófico e científico da época, e pela observação dos movimentos da vida. Seu objetivo é desenvolver uma orientação que possa superar uma visão mecanicista da realidade sugerida, por exemplo, através da lei de causa e efeito, bem como superar uma orientação mística da realidade, onde a realidade é vista como algo sobrenatural. Reich esclarece que toda infelicidade humana decorre de um tipo de pensamento que considera apenas uma dessas vertentes como “correta”.
Segundo Reich (2003) a visão que se tem da realidade influencia diretamente a forma como se dará a prática da pesquisa de qualquer fenômeno. O observador está implicado no que observa, ou seja, suas percepções, sua autopercepção, suas sensações, seu embotamento ou liberdade, seu raciocínio, todos estes fenômenos comprometem a forma como ele vivencia, age e reage à realidade. Uma visão excessivamente fixada no mecanicismo, na terapia, seria uma aplicação de técnicas dirigidas para a obtenção de um resultado específico e já esperado. Podemos deduzir que as adaptações necessárias para os atendimentos à distância nas abordagens psicorporais, para quem está excessivamente atrelado a este tipo de concepção, cause incômodo. De fato, muitas técnicas de toques terapêuticos, por exemplo, que fazem parte do grande arcabouço de conhecimentos estruturados em abordagens psicorporais, precisarão ser adaptadas com cuidado. Contudo, a simples alegação de que a Psicologia Corporal não funciona via dispositivos eletrônicos, porque não se podem “aplicar” as práticas da Vegetoterapia ou da Bioenergética, por exemplo, já revelam uma orientação mais mecanicista (REGO COSTA, 2002).
O pensamento mecanicista favorece as diferenças, tem o hábito de negligenciar o que é comum e, portanto, torna-se rígido e nitidamente divisor. O pensamento funcional está interessado principalmente nas características comuns, porque a investigação do comum conduz a algo mais profundo e mais adiantado. (REICH, 2003. p. 114). Um pensamento com orientação puramente mística descaracterizaria completamente a Psicologia Corporal. A crítica reichiana foca-se no sectarismo místico-religioso, diferente do que podemos considerar como uma espiritualidade “encarnada” na vida e no corpo (LOWEN, 2007). A pessoa encouraçada que sente as excitações de seu corpo orgonótico apesar de sua rigidez biológica, mas que não as compreende, é o homem místico. Ele não se interessa pelas coisas "materiais", mas sim pelas espirituais. Ele forma uma ideia mística, sobrenatural, da natureza. (REICH, 2003. p. 11).
O momento solicita dos profissionais que trabalham nas abordagens psicorporais, uma retomada do sistema de pensamento funcional reichiano, que caracteriza, qualifica e impulsiona as adaptações e as invenções, sem, porém, desfazer-se de outras contribuições que sustentam o grande arcabouço teórico e metodológico da Psicologia Corporal. Pois é neste movimento, de pensar os conceitos básicos e perceber as demandas relativas às condições atuais, que está a possibilidade de fazer e/ou deixar “brotar” uma terapia consistente em atendimentos à distância. O fato é que a situação de distanciamento social, decorrente da pandemia, e a necessidade de terapia online despertaram e impuseram a necessidade de explorar o uso das ferramentas eletrônicas no campo terapêutico. As situações relacionadas à pandemia causaram inúmeros agravos com relação a saúde psicoemocional das pessoas e as demandas aumentaram. Então, “enquanto estamos distantes” podemos aprender com a experiência e agir com coerência, levando em conta o potente pensamento funcional de Reich. O pensamento funcional não tolera nenhuma condição estática. Para ele, todos os processos naturais estão em movimento, mesmo no caso de estruturas enrijecidas e formas imóveis. É precisamente essa mobilidade e incerteza em seu pensar, esse fluxo constante, que coloca o observador em contato com o processo da natureza. (REICH, 2003. p. 106-107).
Aprofundando as reflexões sobre o pensamento funcional, outro importante conceito deve ser considerado. Para Reich (2003), a realidade é estruturada através de processos ou fenômenos triplos, ou seja, a realidade é composta por um par funcional e por um princípio funcional comum. Temos, como exemplo, as funções de prazer e angústia, onde o princípio de funcionamento comum é a excitação biológica. Outro exemplo ainda são as funções de prazer e raiva, que têm como princípio de funcionamento comum a expansão do aparato vital (REGO COSTA, 2002, p. 68). Isso é algo tão fundamental na terapia reichiana que se tornou um símbolo, traduzido através dos pares funcionais soma e psique, que tem como princípio funcional comum a fonte da energia biológica ou o cerne biológico.
Esta é a expressão de um método de investigação dos processos em Psicologia Corporal. Como Reich (1975, p. 296-297) coloca: “Bioenergeticamente, a psique e o soma funcionam condicionando-se mutuamente e ao mesmo tempo formando um sistema unitário”. Ao considerarmos uma sessão terapêutica em abordagem psicorporal à distância, o que de fato estamos buscando “ver” são aspectos do organismo vivo, de como acontecem os fluxos de sensações e sentimentos e a pulsação energética ou vital, ou seja, os ritmos que os clientes / pacientes apresentam no campo. Além disso, o aprofundamento se dá a partir da compreensão de um princípio funcional comum. Corpo e pensamento são expressão do organismo vivo. Apesar de ser um princípio básico nas abordagens psicorporais não é de fácil compreensão. O par funcional é constituído sempre de complementares opostos. Por exemplo, temos uma força ativa e uma força passiva ou de resistência. No ponto de união de ambas, na consequência de ambas temos a existência de uma “função de campo”. Foram dados, ao longo da história, muitos exemplos disso: o pai, a mãe e o filho. (STOLKINER, 2008, p. 74).
É importante notar que o organismo vivo e suas forças vitais são o ponto focal do olhar terapêutico. Estas formas vitais manifestam-se em fluxos e pulsações através da expressão total. Considerando estes processos energéticos, fica evidente que a presença física não é condição essencial para a prática terapêutica nas abordagens psicorporais. Refletindo sobre aspectos do pensamento funcional e considerando as características do tipo específico de contato em abordagens psicorporais, faz-se necessário pensar no que pode ser chamado de fenômeno de campo. Ao observarmos o setting terapêutico objetivamente, teremos de contar com pelo menos duas pessoas, terapeuta e cliente / paciente, cada uma com seu corpo, seu caráter, movidos pela sua energia. Neste setting se dará uma fusão de dois campos energéticos e a formação de um campo único. Pensamos que, se os fenômenos ocorrem em um campo único, se nós temos interesse de entender o campo, primeiro temos que superar a superstição de que, o que está acontecendo, são fenômenos isolados. Por exemplo, se eu observo um pensamento meu, neste momento em que estou com vocês, se eu penso que estes são meus pensamentos e que este é o meu ponto de vista, isso não me serve para entender o campo e eu permaneço na obscuridade, em relação a tudo o que ocorre com vocês (STOLKINER. 2008, p. 60). Estar no campo é estar no espaço que se forma no “entre nós” ou entre as pessoas em um determinado local. Todos os elementos compõem o campo: as sensações, os sentimentos e os pensamentos apresentam-se no campo.
Na terapia de abordagem psicorporal, a atenção, a presença e a abertura para tal campo se dá de forma específica, pois dependerá do terapeuta e da fruição que se dá no contato a possibilidade de estabelecer um vínculo potente. O terapeuta sensível é capaz de trazer o paciente para este campo e, ao mesmo tempo, trabalhar observando outros fenômenos que se desenrolam nele, tais como a transferência, a contratransferência e a ressonância, por exemplo. O fenômeno de campo pode ser considerado uma ferramenta metodológica potente quando pensamos nos desafios adaptativos da terapia em abordagens psicorporais à distância. Sabemos que o que se apresenta no campo tem relação com uma percepção sofisticada e não necessariamente relacionada aos sentidos objetivos (visão / audição). A qualidade de acompanhar os fluxos vitais parece mais como uma arte de refinar os sentidos de escuta, perceber as mudanças energéticas, para então descobrir os momentos em que as intervenções serão adequadas e/ou necessárias. O fundamental para os terapeutas corporalistas, em situação de atendimento à distância, é poder aprofundar o desenvolvimento pessoal, para modular o ir em direção ao cliente / paciente e o voltar para si, compondo este contato através da ferramenta tecnológica. O terapeuta é o facilitador do fluxo de pulsação energética do cliente / paciente, e por isso precisa estar enraizado, conectado com seu self, identificado com seu corpo. Como esclarece Reich (1975, p. 156) “O organismo autorregulado alterna constantemente entre tensão e relaxamento e é coerente com todas as funções naturais.” A terapia psicorporal, na modalidade à distância, se bem observadas as qualidades do pensamento funcional, tende a construir processos bastante eficazes, com um tipo de contato sofisticado e único, se comparado a outros tipos de terapias ou psicoterapias. Cabe ainda elencar um importante constructo metodológico, a sensação de órgão, que potencializa o contato terapêutico em Psicologia Corporal e que não pode ser deixado para trás na transposição da terapia presencial para a terapia à distância.
SENSAÇÃO DE ÓRGÃO Este fenômeno, na terapia, é consequência de uma “escuta” ativa e integrada por parte do terapeuta, onde ele é capaz de “sentir as sensações orgânicas ou vitais” dos organismos vivos que estão ao seu redor. Um contagiante bocejo pode ser um exemplo de sensação de órgão. Quando alguém boceja em um ambiente, mesmo o virtual, tende a estender essa alquimia relacional. Mas não é somente isso, Reich (2003, p. 67) afirma que “[...] a sensação de órgão é o instrumento mais importante da pesquisa científica natural.” Isso porque trata-se de uma forma de se reconhecer o “vivo” que está em todo lugar. O ser humano reconhece esta “vitalidade” a partir de uma identificação da mesma vitalidade em seu interior, ou seja, no cerne biológico. Nos atendimentos terapêuticos, a sensação de órgão surge no terapeuta estimulada pelos movimentos emocionais do cliente / paciente. Podemos dizer que nenhuma outra abordagem se ocupa de forma tão profunda da percepção das sensações corporais atrelada às emoções. Pois é precisamente na capacidade de discernir as emoções que brotam do cerne biológico das emoções relacionadas a outros processos psicoemocionais que está a possibilidade de auxiliar os clientes / pacientes na recuperação da pulsação vital. O organismo vivo percebe o seu ambiente e a si mesmo somente através de suas sensações. Do tipo de sensações depende o tipo de julgamentos desenvolvidos, as reações baseadas nesses julgamentos e a imagem global habitualmente conhecida como “imagem de mundo”. (REICH, 2003, p. 61). Enquanto a Psicanálise ateve-se à ideia de emoções inconscientes indesejadas como a causa do sofrimento humano, Reich (1979), ao explorar profundamente a questão dos impulsos, através de seu experimento com as amebas, por exemplo, descobriu que algumas emoções se mostram nos movimentos plasmáticos. Ou seja, descobriu que certas emoções fazem parte da natureza de todo sistema vivo, e que a linguagem espontânea e expressiva da vida deriva destes movimentos. As emoções são funções específicas do protoplasma vivo. A natureza viva, em contraste com a não viva, responde aos estímulos com “movimento” ou “ação” = “emoção”. Disso se segue necessariamente, a partir da identidade funcional entre emoção e movimento plasmático, que mesmo as partículas mais primitivas de protoplasma possuem sensações. As sensações podem ser compreendidas diretamente a partir das respostas aos estímulos. Essas respostas das partículas plasmáticas não diferem de forma alguma das respostas dos organismos altamente desenvolvidos. (REICH, 2003, p. 58). Talvez uma das contribuições mais fundamentais de Reich (2003) seja a de restituir a racionalidade das emoções primárias. Podemos dizer que esta “racionalidade” significa compreender que algumas das manifestações emocionais humanas possuem uma coerência que favorece o engendramento da vida.
As emoções primárias da vida também têm uma função racional. A função do prazer conduz à descarga do excesso de energia na célula. A angústia está na base de cada reação de raiva. E, na esfera da vida, a raiva possui a função global de vencer ou eliminar situações de ameaça à vida. (REICH, 2003, p. 57). As consequências desta descoberta são sentidas por meio dos benefícios de uma psicoterapia corporal comprometida. O prazer, o anseio, a ansiedade, a raiva e a tristeza são movimentos de pulsação do cerne biológico, e a expressão espontânea possibilita a mobilidade, ou seja, a capacidade de contrair e expandir de todo ser vivo. A repressão dessas emoções leva ao desvio energético para as emoções secundárias irracionais, constituindo, ao longo do desenvolvimento, as couraças e o caráter. A terapia psicorporal busca flexibilizar essa “armadura” muscular e psicológica. Enfatizo a racionalidade das emoções primárias dos seres vivos porque os mecanicistas da Psicologia profunda conseguiram difundir a opinião de que todas as emoções brotam de pulsões e são, “portanto”, irracionais. Essa crença equivocada, tão catastrófica para o bem-estar da vida, tem sua função irracional e sua origem em uma estrutura de caráter cuja racionalidade terá de ser examinada pormenorizadamente. As emoções primárias (racionais) e as secundárias (irracionais) foram descobertas misturadas umas às outras e as pessoas não têm coragem ou percepção para poder separá-las. (REICH, 2003, p. 58). Uma importante reflexão ainda é a de que uma emoção pode vir tanto do cerne biológico (primária) como da couraça (secundária). A diferença é que, quando a emoção brota do cerne biológico, ela cumpre uma função no momento presente e passa. Uma emoção secundária, ou seja, advinda da resistência ou da couraça, tende a ficar presente, repetindo-se, e a pessoa cria razões (na mente e no corpo) para não a deixar ir embora, porque este impulso energético não descarrega completamente. Podemos entender o porquê de tantas pessoas procurarem terapia em busca de um maior equilíbrio emocional. O problema é que, para a maioria das pessoas, o equilíbrio emocional trata-se justamente de suprimir ou negar todas as emoções. O terapeuta que trabalha em sua autorregulação, buscando autoconhecimento e flexibilidade em suas couraças, terá uma melhor condição de pulsação vital e, portanto, melhor contato através da sensação de órgão. Uma das imagens que uso no início de uma terapia atualmente é a de duas pessoas perdidas em montanhas que ninguém conhece. A única razão para ter um terapeuta, é que se pode ter a vantagem de se perder junto a alguém com experiência de perder-se muitas vezes. (STOLKINER, 2008, p. 20). Os atendimentos à distância não modificam tal referencial. Pelo contrário, a experiência de conexão através dessa sensação de órgão, do fluxo energético movido pelas emoções e sensações, ou seja, pelas correntes neurovegetativas, estão presentes. Estamos descobrindo que essa comunicação refinada atravessa as máquinas e que conseguimos “sintonizar” com o pulsar, com a vida que existe em outro ser humano, mesmo sem contar com sua presença física. Este estudo de princípios básicos, para atendimentos em abordagens psicorporais à distância, reflete de maneira geral sobre o tipo de contato que os terapeutas corporais utilizam para se conectarem com seus clientes / pacientes. Este contato é bastante específico, pois trata-se de reconhecer, no campo energético, os aspectos do vivo e de estranhar o não vivo. Flexibilizar couraças é acompanhar, espelhar, expandir e validar o vivo e é, também, dar contorno ao que está transbordando (intensidades), buscar o pulso e o fluxo mais harmônico.
CONSIDERAÇÕES FINAIS Os fundamentos teóricos e metodológicos relacionados neste estudo podem ser considerados como princípios básicos suscetíveis de aprofundamento e pesquisa em abordagens psicorporais. Constituem uma proposta do que não pode ser deixado de fora na construção de um contato suficientemente bom, e a possibilidade do estabelecimento de um vínculo potente na terapia à distância. Será necessário observar também os efeitos dos aparatos tecnológicos sobre o corpo humano. Computador e celular podem reforçar as couraças? O nível atencional se modifica e intensifica o esforço dos sentidos da visão e da audição? Esse é um primeiro nível a ser considerado, pois até que o organismo possa se regular para essa atividade, será preciso paciência. Algo que ocorria com facilidade, como ver e ouvir o cliente / paciente no consultório, presencialmente, exige mais atenção e maior cuidado no uso desta ferramenta (máquina nãoviva). Não podemos ignorar que a tecnologia não é matéria viva. O esforço de terapeutas e clientes / pacientes se dá no sentido de formar esse campo sensível e pulsante, mesmo atravessado pela máquina (computador ou celular): entrar no não vivo para encontrar o vivo. Preparar o ambiente terapêutico é parte do campo também, o cuidado com a privacidade e com as interferências, tanto na Internet, como no lugar onde estamos fisicamente. As resistências e as sensações contraditórias dos terapeutas de abordagens psicorporais, no desenvolvimento de uma terapia à distância, parecem refletir dois aspectos importantes: o primeiro é uma certa dependência por parte dos terapeutas da presença física de seus clientes / pacientes para se sentirem em contato com eles; e o segundo, é uma forma de se relacionar com a Vegetoterapia e a Bioenergética como “técnicas” de intervenção no corpo físico e que, somente por meio da “aplicação” destas técnicas, a terapia psicorporal poderia ser validada. Aparentemente, estes dois aspectos protelaram, por muito tempo, a necessidade de terapeutas de estarem mais em si mesmos, de trabalharem em suas sensações e autorregulação. A pandemia, o isolamento social e as demandas referentes às necessidades de adaptações da terapia presencial para a terapia à distância, puseram em xeque as fragilidades e exigiram tanto de terapeutas como de seus clientes / pacientes, mais trabalho sobre si mesmos. Vale considerar ainda que o encontro presencial na terapia é o mais desejado e, em alguns casos, necessário e indispensável. Mas a não presença física precisa ser compreendida diferentemente de uma não presença. Nunca foi tão necessário perceber a importância da autorregulação como essa habilidade de administrar emoções, pensamentos, sentimentos e sensações. Nunca foi tão importante ajudar os clientes / pacientes a tocarem em si mesmos para liberarem e flexibilizarem suas tensões corporais e psicoemocionais, lembrá-los dos próprios recursos e ensiná-los novos. Aprofundar as reflexões a respeito das características particulares das abordagens psicorporais à distância tornou-se necessário, na medida em que o campo de trabalho para os profissionais terapeutas ampliou-se. O avanço neste campo requer um trabalho conjunto dos terapeutas na elaboração de novos estudos. Este artigo aponta algumas possibilidades, porém, certamente, será o esforço coletivo que produzirá desdobramentos em direção a processos terapêuticos potentes.
REFERÊNCIAS
DICIO. Dicionário online de Português. Disponível em: . Acesso em: 28/03/2022.
LOWEN, A. A espiritualidade do corpo: Bioenergética para a beleza e a harmonia. São Paulo: Summus, 2017. Disponível em: . Acesso em: 23/05/2022.
REGO COSTA, M. M. Wilhelm Reich e a bússola do Pensamento Funcional. 2002. Tese (Doutorado) – Instituto de Psicologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. Disponível em: . Acesso em: 08/02/2022.
REICH, W. Análise do Caráter. 21ª ed. Lisboa: Dom Quixote, 1979.
REICH, W. A Função do Orgasmo. Problemas econômicos-sexuais da energia biológica. São Paulo: Círculo do Livro, 1975. REICH, W.
O éter, deus e o diabo, seguido de a superposição cósmica. São Paulo: Martins Fontes, 2003. STOLKINER, J.
Abrindo-se aos mistérios do corpo: seminários de Orgonomia. Porto Alegre: Alcance, 2008.
Mariane Sobrosa Ramos Bitencourt / Indaiatuba / SP / Brasil Licenciada em Artes Dramáticas pela URFGS, Terapeuta Corporal pelo Centro de Treinamento Holístico de Porto Alegre-RS. Facilitadora de Tension and Trauma Releasing Exercises (TRE), Especialista em Psicologia Corporal, com habilitação para atuar como terapeuta corporal, pelo Centro Reichiano – Curitiba/PR. E-mail: marianeterapiacorporal@gmail.com
Sandra Mara Dall’Igna Volpi / Curitiba / PR / Brasil Psicóloga (CRP-08/5348) formada pela PUC-PR. Analista Bioenergética (CBT) e Supervisora em Análise Bioenergética (IABSP), Especialista em Psicoterapia Infantil (UTP), Psicopedagogia (CEP-Curitiba) e Acupuntura (IBRATE), Mestre em Tecnologia (UTFPR), Diretora do Centro Reichiano, em Curitiba/PR. E-mail: sandra@centroreichiano.com.br
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