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LEVANDO AS COURAÇAS PARA DANÇAR:UM RECURSO COMPLEMENTAR DE FLEXIBILIZAÇÃO

Roberta Cecília Braga Cezar

José Henrique Volpi

RESUMO

Numa sociedade que desconsidera e ignora o corpo dos processos existenciais, é precioso saber que há um espaço na psicologia para lembrar que o corpo tem uma linguagem que precisa ser vista, escutada e compreendida, no mínimo. Esse chamamento veio de Wilhelm Reich (1897-1957), que unindo ousadia, inteligência e coragem, no decorrer da sua prática profissional, comunicou o quanto este corpo guarda memórias, emoções e marcas significativas, construídas ao longo do desenvolvimento, com todos os estresses e as delícias de uma vida. Essas marcas ficaram conhecidas como couraças musculares, que contém afetos, emoções, recordações e energia estagnada. Considerando que as couraças musculares podem ser flexibilizadas por meio de movimentos, a proposta do presente trabalho é discutir as possibilidades que a dança traz, enquanto complemento do trabalho da Análise Reichiana, como também enquanto facilitadora de flexibilizações psíquicas e musculares. Palavras-chave: Corpo. Couraças. Dança. Flexibilização. Wilhelm Reich.

INTRODUÇÃO

Ao falar sobre corpo, pode ser importante ampliar a compreensão dos processos que o levaram a ocupar um lugar distanciado do eu, na contemporaneidade. Com isso, é possível realizar uma viagem na história, através da Idade Média, para entender que a concepção de corpo para aquela sociedade era muito distinta do que se percebe hoje, nas ideias construídas acerca desse corpo e de onde ele fica localizado na vida das pessoas, em grande parte do tempo. Nesse sentido, Rodrigues (1999) aponta que o corpo medieval era considerado sagrado, não sendo permitido, por exemplo, abrir os corpos mortos para fins de curiosidade ou objetificação. Importante destacar, que o termo sagrado vem ligado às visões da Igreja, naquela época.

Porém, faz-se necessário recordar que o dualismo cartesiano abriu passagem para as dissecações e investigações, a partir do momento em que defendeu a separação corpo-mente, destituindo o corpo do espaço sagrado que habitava. Assim, foi possível colocá-lo no lugar de um objeto e, mais tarde, com a formação do sistema capitalista, pôde ser localizado enquanto máquina, com necessidade de produção e performance constantes (RODRIGUES, 1999). Colocar o corpo temporariamente no lugar de um objeto ou de uma máquina, pode até ser necessário para avanços científicos, de modo geral, ou para o alcance de alguns objetivos profissionais por meio da produtividade, por exemplo. Entretanto, é extremamente problemático quando o indivíduo fixa o corpo nesses lugares, em um modo de submissão, exploração e desimportância frequentes, convidando sintomas e desconexões.

Numa sociedade que desconsidera e ignora o corpo dos processos existenciais, é precioso saber que há um espaço na psicologia para lembrar que o corpo tem uma linguagem que precisa ser vista, escutada e compreendida, no mínimo. Esse chamamento veio de Wilhelm Reich (1897-1957), que unindo ousadia, inteligência e coragem, no decorrer da sua prática profissional, comunicou o quanto este corpo guarda memórias, emoções e marcas significativas, construídas ao longo do desenvolvimento, com todos os estresses e as delícias de uma vida.

Com a técnica da vegetoterapia caracteroanalítica, apresentaram-se possibilidades de olhar o “como” da pessoa: como anda, como se veste, como se coloca na fala, na postura e nos contornos. De acordo com Reich (1942/2012, p. 146), “as palavras podem mentir. A expressão nunca mente.” O que torna possível afirmar que o corpo é honesto em suas manifestações e por isso é válido e essencial considerá-lo também dentro de um processo terapêutico. Além disso, o método reichiano traz a importância do acesso aos dados existenciais do indivíduo, sobretudo do período da vida intrauterina até a adolescência, fases iniciais do desenvolvimento humano, para checar possíveis estresses ou traumas, que deixaram marcas no corpo, ampliando a compreensão e a análise do caráter (VOLPI & VOLPI, 2017). Essas marcas ficaram conhecidas como couraças musculares, que contém afetos, emoções, recordações e energia estagnada (REICH, 1942/2012).

A partir do conhecimento do Sistema Nervoso Autônomo, foi possível compreender que as couraças musculares se apresentam enquanto rigidez ou colapso/flacidez, para evitação do sentir e do acesso aos conteúdos que podem ser mais desafiadores ou delicados. Na medida em que essas couraças eram flexibilizadas, notavam-se descargas autonômicas ou correntes vegetativas, indicando a liberação da energia aprisionada (REICH, 1942/2012). Portanto, o trabalho da vegetoterapia caracteroanalítica inclui a palavra e o corpo, abrangendo investigação de processos existenciais em determinadas etapas do desenvolvimento, leitura corporal e movimentos específicos (actings1 ) que auxiliam nessa flexibilização de couraças, para fins de contato com o verdadeiro “eu” e restabelecimento da potência orgástica de cada pessoa. (1 Desenvolvidos pelo neurologista e psiquiatra Federico Navarro).

Considerando que as couraças musculares podem ser flexibilizadas por meio de movimentos associados às sensações e emoções, a proposta do presente trabalho é discutir as possibilidades que a dança traz, enquanto complemento do trabalho da Análise Reichiana e facilitadora de flexibilizações psíquicas e musculares. Para Miller (2005, p.88), na dança, “quando trabalhamos uma parte do corpo, podemos sentir alterações em todo o conjunto”. Portanto, é válida a demora no olhar e nas investigações acerca do corpo que dança com suas couraças.

COURAÇAS PSÍQUICAS E MUSCULARES

A palavra couraça vem do latim coriacea, trazendo o sentido de armadura, couro ou armas antigas2 . A partir disso, já se pode começar a compreender o sentido das couraças psíquicas e musculares para Wilhelm Reich, considerando que a etimologia já apresenta uma noção de proteção, sobretudo. Nesse sentido, o pai da psicologia corporal percebeu, nas suas observações clínicas, que a função das couraças “em todos os casos era proteger o indivíduo contra experiências desagradáveis” (REICH, 1942/2012, p.125).

Importante destacar que na mesma medida em que há proteção para o que a pessoa considera ameaçador, pode haver proteção para o que é nutritivo. Com isso, pode-se afirmar que as couraças limitam experiências e processos existenciais, contendo histórias de estresses marcantes, traumas e desafios para além do nível da tolerância possível para o indivíduo, demonstrando que há um passado que marcou o corpo, mantendo-se fortemente vivo no presente, ainda que inconsciente.

As couraças psíquicas e musculares demonstram uma rigidez que é psíquica e muscular, visto que mente e corpo são o mesmo elemento, com expressões distintas. Tal rigidez dificulta mudanças e traz uma característica de cronicidade e fixação, de acordo com Reich (1933/1998). No que se referem aos efeitos nocivos das couraças para a vida do sujeito, pode-se citar a perda da espontaneidade e a retenção das expressões - pois os movimentos que deveriam ir para fora, voltam-se para dentro (REICH, 1942/2012).

Ao longo do corpo, foram mapeados sete segmentos de couraças musculares: ocular, oral, cervical, torácico, diafragmático, abdominal e pélvico, que englobam, em linhas gerais, o sistema nervoso (ocular), diversos órgãos e partes do corpo, guardando emoções e estagnando energia (REICH 1933/1998). Ademais, Reich (1942/2012) observou hipertonia ou (2 Informação encontrada no site www.origemdapalavra.com.br. )hipotonia muscular, assim como excesso ou falta de carga de energia. Ele relata que há uma “inibição vegetativa do funcionamento vital” (ibidem, p.129), o que significa que o Sistema Nervoso Autônomo atua em um modo hiperativado, como se o indivíduo estivesse continuamente em situação de perigo ou ameaça.

Nesse ponto, é fundamental destacar que, para o autor, “a pessoa econômicosexualmente regulada é capaz de fechar-se em uma situação e abrir-se em outra” (REICH, 1942/2012, p.155), demonstrando flexibilidade de acordo com as circunstâncias. Essa elasticidade existencial é perdida em indivíduos encouraçados, visto que respondem de forma cristalizada e não atualizada para o tempo presente. Estes últimos apresentam um caráter neurótico, enquanto que os primeiros supracitados seriam as pessoas com um caráter genital: “o ego do caráter genital também apresenta uma couraça, mas ele a controla, não está à sua mercê. A couraça é flexível o bastante para se adaptar às mais diversas experiências. O caráter genital pode ser alegre, mas bravo quando necessário” (REICH, 1933/1998, p.175).

O trabalho com as couraças psíquicas e musculares é feito por meio da Análise Reichiana, sobretudo com a técnica da vegetoterapia caracteroanalítica. Enquanto propósito das intervenções nas couraças, especificamente, Reich (1942/2012) propõe restabelecer a “motilidade biopsíquica” (ibidem, p.17) e liberar afetos que foram inibidos, restaurando a sensibilidade e a capacidade de entrega e rendição no indivíduo.

Em relação aos principais sinais de uma flexibilização nas couraças musculares, o autor notou que havia movimento no lugar da estagnação habitual, e tais movimentos foram reconhecidos enquanto correntes vegetativas, denotando que “a couraça está cedendo e que o orgone3 corporal está sendo liberado” (REICH, 1933/1998, p.344). E de que forma o corpo anuncia que algum fluxo de energia está sendo retomado?

A liberação das atitudes musculares rígidas produzia sensações corporais peculiares nos pacientes: tremor involuntário e contrações dos músculos, sensações de frio e calor, coceira, impressão de picadas de alfinetes e agulhas, sensações de espinhos, uma impressão de grande excitação nervosa, e percepções somáticas de angústia, cólera e prazer. (REICH, 1942/2012, p.225)

Para Volpi e Volpi (2015) os músculos comparecem nos movimentos de um corpo e esses movimentos contam sobre sensações, emoções e ideias, revelando o eu através de seus gestos e posturas. É por meio desse corpo em movimento que a pessoa se coloca no mundo e também busca algo do mundo para dentro de si. Portanto, o corpo com um músculo em estado de tensão crônica, enrijecido ou colapsado, comunica que há couraça ali, 3 Energia vital encontrada no corpo humano e na atmosfera. interferindo nos movimentos existenciais espontâneos. E, dessa forma, é fundamental cuidar para reconhecer-se potente e flexível, fechando-se e abrindo-se de acordo com as condições de cada ambiente.

A DANÇA

De acordo com Faro (2004 apud FRANCO & FERREIRA, 2016), os primeiros registros de dança na humanidade datam do período da pré-história através de vestígios arqueológicos, indicando ligação com manifestações religiosas, e mantendo essa característica até a antiguidade (LISBOA, 2008).

Na Idade Média, por sua vez, relata-se que foi o momento histórico mais delicado para a vivência da dança, devido às concepções do cristianismo que traduzia o corpo enquanto impedimento para alcance de uma perfeição. Com isso, dançar era visto como gesto obsceno e impróprio (GUSSO, 1997). Ainda assim, entretanto, alguns grupos populacionais transgrediam e viviam suas danças, mesmo com todas as proibições advindas da Igreja, que passou a tolerar tais manifestações corporais, simplesmente por não conseguir apagá-las (TADRA, 2009 apud FRANCO & FERREIRA, 2016). Segundo Gusso (1997), a partir do século XV, a dança renascia e ocupava outros espaços, fora dos esconderijos.

Nesse sentido, com o passar do tempo, as classes dominantes mudaram a forma de fazer e sentir a dança, codificando-a, ensinando modos de movimentar-se à parte populacional com mais poderes aquisitivos, retirando a espontaneidade anterior e firmando passos, posturas e gestos específicos, denominando de Balé da Corte (PORTINARI, 1989 apud GUSSO, 1997).

Posteriormente, a chegada da Dança Moderna trouxe o questionamento do rigor acadêmico e das práticas do balé (PORTINARI, 1989 apud GUSSO, 1997). Assim, nasce uma concepção de dança enquanto protesto das ideias vigentes naquele período, com inclusão de fenômenos da natureza nas inspirações, dos pés descalços, das roupas leves e da livre expressão (GUSSO, 1997; FRANCO & FERREIRA, 2016).

Em seguida, nasce o que se chama de Dança Contemporânea que, segundo Miller (2012), pode ser vista por diversos ângulos, enfoques e possibilidades de criação e atuação: “quando falamos de dança contemporânea, estamos falando de diversidade, pluralidade, instabilidade, transdisciplinaridade, ou seja, trata-se de uma dança que tem transitoriedade e se transforma com o tempo” (ibidem, p.29).

Dentro desse mover, pode-se mencionar o improviso, onde há “uma forma de se expressar com liberdade, sem restrição da técnica” (LUCIANO & VOLPI, 2022, p. 1). Nesse sentido, há espaço e permissão para criar a própria dança, a partir do sentir, do que se move internamente e do possível de cada corpo. Para Vianna e Carvalho (2005, p. 36), “é milagroso o que o corpo é capaz de fazer quando o deixamos livre após o aprendizado técnico”.

De modo geral, existem diversos tipos de danças, técnicas de movimentos e ritmos. É possível dançar junto, assim como na companhia de si. É possível expressar emoções que surgem espontaneamente, reproduzir as coreografias construídas por profissionais ou seguir as formas específicas de alguns ritmos e danças existentes na contemporaneidade. Pode ser levada aos espetáculos ou ser utilizada com objetivo estritamente terapêutico (LUCIANO & VOLPI, 2022; LISBOA, 2008). De qualquer maneira que se apresente, é preciso considerar que “a dança - como toda arte – tem elementos internos, subjetivos e pessoais” (VIANNA & CARVALHO, 2005, p. 62).

Como se pode observar, são muitas as maneiras de experienciar a dança, entretanto, os benefícios podem ser alcançados, independentes de quais sejam os movimentos, o padrão, a velocidade, os balanços. Dentre os efeitos positivos, são inegáveis os ganhos de vitalidade, contato com os próprios limites e reconhecimento da potência psíquica-corporal.

A DANÇA NA FLEXIBILIZAÇÃO DE COURAÇAS

Dançar envolve a aprendizagem de ser um corpo cada vez mais flexível para mover-se em fluidez. Nesse ponto, Lisboa (2008) defende tal flexibilidade enquanto fator importante para uma dança acontecer, passando pela necessidade de experienciar determinadas partes corporais separadamente, unindo-as depois, em movimentos que dialoguem entre si. Acerca das articulações, por exemplo, Miller (2005, p. 75) afirma:

O aluno entra em contato com as suas tensões musculares, percebendo qual articulação está limitada e como desbloquear as tensões limitadoras do movimento, conquistando maior liberdade para se movimentar. Com maior amplitude das articulações, o percurso do movimento ganha clareza e fluidez.

Pode-se afirmar que a falta de flexibilidade no corpo, pode sinalizar a presença de couraças musculares, limitando as possibilidades de movimentos fluidos e espontâneos. Algumas pessoas poderão notar dificuldade em mover o quadril livremente, outras poderão sentir mais impedimentos nos movimentos que pedem entrega, outras podem apresentar enrijecimentos na região torácica atravancando aberturas, e algumas podem notar braços colapsados, por exemplo, quando a dança pede mais tônus. O indivíduo pode acessar vergonha, criar fantasias acerca do olhar dos outros, pode não reconhecer os limites que tem, se machucando, pode escolher aulas em grupo ou preferir aulas particulares, pode selecionar danças que exigem técnicas mais rigorosas ou que dão mais permissão para cada pessoa criar os próprios passos.

Com isso, a dança pode ser uma grande metáfora de processos corporais, e mais amplamente, de processos existenciais. Todos esses elementos comunicam para além do corpo literal, trazendo notícias, muitas vezes, dos modos de funcionamento na vida e no próprio ser, por meio do caráter.

Por isso não concordo com os que dizem que, ao entrar numa sala de aula, é preciso deixar os problemas lá fora. Impossível, pois minhas angústias e tensões estão presentes em meu corpo, em meus gestos. Durante a aula é impossível camuflar, esconder o que sinto, o que trago do cotidiano. Em vez de reprimir os sentimentos é possível trabalhá-los, dimensionando-os de forma mais equilibrada. É fundamental trabalhar com essa consciência. (VIANNA & CARVALHO, 2005, p. 75)

De acordo com Ramos (2002 apud LISBOA, 2008), a dança facilita o desenvolvimento do potencial criativo, de uma autopercepção, além da possibilidade de promover mudanças nas relações do sujeito consigo, com outras pessoas e com o mundo. Nesse sentido, dentre os efeitos possíveis de serem alcançados ao dançar, nota-se ampliação de mobilidade no corpo, na expressividade, aumento no nível de aceitação de si e da sensação de bem-estar (LIMA, 2016).

Ao envolver diretamente movimentos corporais repetitivos e/ou repetidos para assimilação, a dança pode alcançar os músculos mais endurecidos, soltando as tensões, e/ou alcançar os músculos mais flácidos, construindo carga e tônus naqueles pontos. Essas transformações somáticas incluem o psíquico, visto que mente e corpo são uma unidade para a Análise Reichiana. Então, junto com a liberação de músculos rígidos, por exemplo, pode haver mais relaxamento nas relações intra e interpessoais também, ou mais firmeza e presença nas circunstâncias cotidianas, junto com o ganho de mais vivacidade corporal. Depende da biografia do indivíduo, do corpo, do caráter.

A liberação de emoções também é possível quando se dança, considerando que no corpo há couraça e, portanto, memórias. Com isso, pode haver possibilidade de dar passagem ao que está contido e calado, seja uma raiva, uma tristeza, um amor, uma felicidade.

Para Furia (1998 apud LUCIANO & VOLPI, 2022), é impossível a dança acontecer sem alteração das couraças musculares, mesmo que momentaneamente, fornecendo a qualidade de flexibilidade para o fenômeno corpo-mente. Com isso, pode-se afirmar que a dança é um recurso que pode complementar e potencializar o trabalho reichiano com as couraças musculares.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por mais que a contemporaneidade ofereça distanciamento entre a pessoa e a própria experiência corporal, e por mais que destine ao corpo as posições de objeto ou máquina, é fundamental inclui-lo no trabalho psicoterapêutico, afinal, como disse Reich (1942/2012, p.285), “não é só a conscientização de uma ideia inconsciente que cura, mas a modificação causada pela excitação”. Isso fornece uma visão importante, de que apenas conscientização não é suficiente, e de que é necessário que o conteúdo passe por esse corpo que sente, que pode encontrar novas vias, se reorganizando e assimilando o diferente.

O trabalho com as couraças, na Análise Reichiana, possibilita a compreensão de que há um corpo contador de histórias, que traz narrativas por vezes muito difíceis de acessar e que precisa de cuidados específicos. Assim, é possível que haja liberação dos afetos aprisionados, do que foi silenciado, do que não foi possível fazer, falar, mover, sentir ou ver, em determinadas circunstâncias existenciais. Nesse ponto, é interessante incluir a potência da dança para a criação de mais espontaneidade e fluxo de energia.

De acordo com Fux (1983 apud LIMA, 2016), dançar é tão importante quanto caminhar, falar e se alimentar. Como visto ao longo do presente trabalho, a dança pode ser transformadora, na medida em que possibilita movimentos novos e acesso ao eu, convida à experimentação de si e de outros, além de estimular flexibilizações no corpo e na vida. Definitivamente, isso envolve as couraças enrijecidas ou colapsadas, podendo servir enquanto complemento ao trabalho reichiano, assim como enquanto uma ponte para o contato com os endurecimentos ou as flacidezes cristalizadas.

É importante salientar que a dança sozinha não provocará mudanças profundas, já que existem limitações no alcance ao sujeito, com suas dores e paixões, com sua biografia. A flexibilização das couraças proposta por Wilhelm Reich, através da vegetoterapia, envolve movimentos com atenção aos afetos, emoções e memórias que comparecem junto e que solicitam escuta qualificada. Portanto, é essencial o trabalho terapêutico associado, caso se tenha como objetivo a flexibilização das couraças utilizando a dança como complemento, dando lugar não só aos músculos, mas ao verbo, aos insights, às sensações, memórias e emoções presentes quando no ato de dançar.

Mais estudos, investigações e pesquisas precisarão acontecer, para solidificar tais conhecimentos. Certamente, diversos ganhos e trânsitos poderão ser alcançados, ao se nutrir cada vez mais o olhar para a dança dentro da psicologia.

REFERÊNCIAS

FRANCO N., FERREIRA N.V.C. Evolução da dança no contexto histórico: aproximações iniciais com o tema. Repertório, Salvador. 2016(26):266-72.

GUSSO, S. História da dança: processo evolutivo da arte corporal. 43f. Monografia (Graduação). Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 1997.

LIMA, D. M. María Fux: a dança como perspectiva de vida. Revista EIXO, Brasília, v. 5, n. 1, janeiro-junho de 2016.

LISBOA, M. R. A dança, a bioenergética e a vegetoterapia como elementos flexibilizadores das couraças. Monografia. Centro Reichiano, Curitiba, 2008.

LUCIANO, C.; VOLPI, S. M. D. A dança como expressão do si-mesmo, sob a visão da Psicologia Corporal. In: VOLPI, José Henrique; VOLPI, Sandra Mara (Org.) 25º CONGRESSO BRASILEIRO DE PSICOTERAPIAS CORPORAIS. Anais. Curitiba: Centro Reichiano, 2022. [ISBN – 978-65-89012-02-3]. Disponível em: https://www.centroreichiano.com.br/anaisdos congressos-de-psicologia/ Acesso em: 15/08/2022.

MILLER, J. A escuta do corpo – sistematização da técnica Klauss Vianna. Orientador: Marília Vieira Soares. 2005. 141 f. Dissertação (Mestrado). Curso de Artes, Instituto de Artes, Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, 2005.

MILLER, J. Qual é o corpo que dança? Dança e educação somática para adultos e crianças. São Paulo: Summus, 2012.

REICH, W. A função do orgasmo: problemas econômico-sexuais da energia biológica. São Paulo, SP: Brasiliense, 2012. (Original publicado em 1942).

REICH, W. Análise do caráter. São Paulo, SP: Martins Fontes, 1998. (Original publicado em 1933).

RODRIGUES, J.C. O corpo na história. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 1999. Antropologia e saúde collection, 197 p. ISBN: 978-85-7541-555-9.

VIANNA, K.; CARVALHO, M. A. de. A Dança. São Paulo: Summus Editorial, 3ª ed., 2005.

VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. Dinâmicas da psicologia corporal aplicadas a grupos. Vol. 1. 3º ed. Curitiba: Centro Reichiano, 2017.

VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. Dinâmicas da psicologia corporal aplicadas a grupos. Vol. 2. Curitiba: Centro Reichiano, 2015.


AUTORA E ORIENTADOR

Roberta Cecília Cezar / Salvador / BA / Brasil Psicóloga (CRP 03/16430) formada pela Universidade Federal da Bahia. Especialista em Psicologia Social pela Universidade Santo Amaro. Gestalt-Terapeuta pelo Instituto de GestaltTerapia da Bahia. Cursando Especialização em Psicologia Corporal, com habilitação para atuar como Psicoterapeuta Corporal Reichiana, pelo Centro Reichiano, Curitiba/PR. E-mail: contato@robertabragapsi.com.br

José Henrique Volpi / Curitiba / PR / Brasil Psicólogo (CRP-08-3685), Especialista em Psicologia Clínica, Anátomo-Fisiologia, Hipnose Ericksoniana, Psicodrama e Brainspotting. Psicoterapeuta Corporal Reichiano, Analista psicocorporal Reichiano formado com o Dr. Federico Navarro (Vegetoterapia e Orgonoterapia). Especialista em Acupuntura clássica e Método Ryodoraku (eletrodiagnóstico computadorizado de medição da energia dos meridianos do corpo). Mestre em Psicologia da Saúde. Doutor em Meio Ambiente e Desenvolvimento. E-mail: volpi@centroreichiano.com.br

 
 
 

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