UMA VISITA AO CARÁTER NARCISISTA DE ALEXANDER LOWEN
- Juan Pablo Lizana
- 7 de ago. de 2023
- 9 min de leitura
Juan Pablo Lizana
Artigo de trabalho apresentação no 26º Congresso Brasileiro de Psicoterapia Corporal do Centro Reichiano em Curitiba/PR em Junho 2023.
RESUMO: Através deste trabalho, irei identificar a influência e últimas transformações sócio-culturais do momento pós segunda Guerra, que propiciaram o estabelecimento do caráter narcisista baseado na visão de Alexander Lowen. Também iremos visitar os diversos graus deste tipo de caráter de acordo com a gravidade da perturbação e perda do self.
Palavras-chave: Bioenergética, Narcisismo, Lowen, Caráter, Self.
O narcisista pode ser identificado como aquela pessoa que atua com uma superioridade singular, preocupado principalmente consigo mesmo, com uma relativa ausência de ansiedade e culpa, conjugado com a falta de sentimentos. Essa combinação culmina em uma impressão de irrealidade. Nesse ser humano, tudo parece perfeito demais para ser humano, fica muito mecânico, a sensação é de um funcionamento mais parecido com uma máquina, do que com uma pessoa, é uma ação sem sentimentos. Na ausência dos sentimentos, faltam-lhe a ternura, a compaixão e a solidariedade, para com os outros e consigo mesmo, onde o consigo mesmo, é muitas vezes negado, fazendo-o padecer de incertezas e insatisfações.
O que faz alguém se sentir superior aos outros e ao mesmo tempo estar insatisfeito consigo?
Primeiro a pessoa tem que negar que está insatisfeita e a maneira de negar é criar uma imagem mental de si mesma, uma imagem idealizada. Essa imagem idealizada vai se tornar mais importante para ele que os seus próprios sentimentos.
O padrão dos comportamentos neuróticos é moldado pela ação das forças culturais. No passado remoto, período inicial logo após a segunda guerra mundial, a histeria era o distúrbio que estava mais presente. Era resultado do recalque da excitação sexual. É uma explosão emocional que irrompe através das forças repressivas e se impõem sobre o ego. A moralidade sexual e o excessivo recato sexual eram o padrão da época e se refletiam na austeridade, na compostura e na submissão por respeito à autoridade. Criava-se assim um superego severo e rígido que limitava a expressão sexual, criando culpa e ansiedade intensas a respeito do sentimento sexual.
Todo o desenrolar dos anos que se seguiram ao pós-guerra, com o desenvolvimento da industrialização e mudanças socioeconômicas, facilitou a flexibilização dos hábitos sexuais aproximadamente um século mais tarde. Assim, o recato sexual deu lugar ao exibicionismo e à pornografia. Nesta nova era que se formou, a queixa principal está agora na possibilidade da incapacidade de funcionar sexualmente ou no temor com o desempenho sexual. Esta situação facilitou a formação do caráter narcisista. A falta de um superego severo e rígido, levou à atuação de impulsos, sem coibição, com menos limites, sem regras sociais, minimizando a importância dos sentimentos.
Não obstante o narcisismo já existia. A nova era apenas facilitou a sua permanência. O narcisismo resulta de uma distorção do desenvolvimento, provêm de uma perturbação no relacionamento pais e filhos. Os pais não fornecem suficiente nutrimento e apoio emocional, na medida em que não reconhecem e respeitam a individualidade de seus filhos, ao mesmo tempo em que tentam, de um modo atraente, moldá-los de acordo com a imagem que alimentam de como eles deveriam ser.
Para Lowen (1983), no narcisismo existem vários graus de distúrbio e perda do self. Os cinco tipos, em ordem crescente da gravidade de perturbação, são:
2. Caráter Narcisista
3. Personalidade de Fronteira ou Borderline
4. Personalidade Psicopática
5. Personalidade Paranóide
Nessa ordem crescente, encontramos o grau em que a pessoa se identifica com seus sentimentos e o grau em que se distancia de seu senso de self, favorecendo a sua imagem idealizada. Assim, o Caráter Fálico-narcisista é o mais leve ou mais próximo de seu senso de Self, e o de Personalidade Paranóide o mais comprometido ou mais distante de seu senso de Self.
Em todos estes caráteres narcisistas, o grau de narcisismo, a grandiosidade, a ausência de sentimentos, a falta do senso de self e a falta de contato com a realidade, estão presentes em maior e menor potência. Esta potência, é o resultante das perturbações no relacionamento entre pais e filhos, onde a causa principal foi a falta dos pais em oferecer apoio emocional suficiente aos sentimentos de seus filhos, legitimando e avalizando seus sentimentos.
Caráter Fálico-Narcisista
Neste tipo de caráter, encontramos a conexão que ocorre entre a grandiosidade narcisista e a sexualidade. A preocupação é com a sua imagem sexual, em ser sedutor/a, medindo seu valor pela quantidade de atração sexual que exerce nos outros. A pessoa deste caráter, tem um senso relativamente forte de self. Exibe uma autoconfiaça, dignidade e superioridade exageradas. Seu componente feminino é o caráter Histérico. O fálico narcisista exalta a sua “dureza” do falo, já o caráter histérico exalta a maciez do corpo, ambos preocupados com a atração que exercem. O caráter Agressivo Feminino é a parte feminina preocupada com a “dureza” de sua posição. O caráter Passivo Masculino pode ser considerado o que se preocupa com a maciez de suas posições.
Caráter Narcisista
No caráter Narcisista encontramos uma imagem de ego mais grandiosa. São os melhores e os mais atraentes, principalmente muito preocupados em relação à imagem. São deslocados do mundo dos sentimentos, ignorando completamente como devem se relacionar com outras pessoas no mundo real. Diferenciam-se pela grandiosidade das fantasias, não se contendo ao expressá-las. Esta grandiosidade das fantasias, também funciona como uma defesa contra a depressão e ele tem agressividade e força de ego suficiente para conquistá-las.
Personalidade de Fronteira ou Borderline
Neste caráter, a grandiosidade de sua auto-imagem está escondida. Essa auto-imagem grandiosa acaba sendo frágil e termina desmoronando sob o estresse emocional. Ela não se sustenta, não se prova pelas suas realizações concretas, é derrubada pela realidade de seu senso de Self. Esse enfrentamento com o Self real, termina revelando a criança impotente e assustada que existe em seu íntimo. Assim, projetam uma imagem carente e dependente, apesar de possuir a crença de grandiosidade e apresentar a arrogância característica narcisista. A força do ego é muito menor, tendo uma conexão menor entre a imagem interior (fantasia) e o Self real.
Personalidade Psicopática
No caráter de Personalidade Psicopata, a grandiosidade do ego se expressa na ausência extrema de sentimentos pelos seus semelhantes, tendo a tendência a transformar seus comportamentos em atuações antisociais. Possívelmente vivenciou experiências traumáticas e esmagadoras que não puderam ser integradas ao seu ego. Suas ações, portanto, são concretizadas sem qualquer sentimento consciente. Podem atuar utilizando sem limites o alcoolismo, a toxicomania e o comportamento sexual promíscuo, além de comportamentos antisociais de mentir, fraudar, roubar, até matar, sem qualquer indício de culpa ou remorso.
Personalidade Paranóide
É a personalidade que tem a mais nítida megalomania. Nesta personalidade, o paranóide sente que as pessoas estão olhando para ela, falando sobre ela e conspirando contra ela, por ser especial e muito importante, por crer possuir poderes extraordinários, capacidades grandiosas. È uma condição mais psicótica que neurótica. A sua grandiosidade extrema mostra uma enorme discrepância entre a imagem do ego e o Self real, uma forte arrogância, insensibilidade aos outros, negação e projeção. A sanidade mental é medida pela congruência da imagem do ego de uma pessoa com realidade de seu Self ou corpo.
Os narcisistas mostram uma falta de interesse nos outros e também mostram uma falta de interesse às suas próprias e verdadeiras necessidades. Com o investimento na imagem eles se deixam de lado. A autoimagem idealizada não inclui o Self, é a oposição ao próprio Self. O investimento alto na imagem lhe custa a não-aceitação do próprio Self, e apenas a imagem é importante, o reconhecimento dos seus sentimentos, que fazem parte de seu Self, são negados.
É o deslocamento da identidade do self para a imagem, exatamente como no Mito de Narciso, onde o personagem se apaixona por sua imagem no reflexo da água e não sai mais do lado dela, morrendo de inanição. Essa entrega à imagem também os impede de se entregar e amar outras pessoas.
Para Lowen (1983), o Self é um fenômeno biológico, corporal, sensorial. O ego é uma organização mental que se desenvolve à medida que a criança cresce. “A consciência do Self nasce quando o ego (eu mental), passa a estar definido através da autoconsciência, da autoexpressão e do autocontrole, com a experiência dos sentidos, nas sensações do corpo. O Self é o aspecto sensível do corpo, só pode ser experimentado como uma sensação. O ego não é o Self, embora seja a parte da personalidade que percebe o Self.” (Lowen, pag.38)
Os narcisistas dissociam o ego do corpo (self). O que sentimos depende do que acontece no corpo, é no corpo que sentimos e o ego é incapaz de criar uma sensação, apesar de tentar controlá-la. Quando a imagem do Self (ego) e a experiência direta do Self através do corpo, coincidem, acontece a autoaceitação.
O indivíduo narcisista investe apenas no ego, só se importa com a imagem idealizada, e se ela não corresponde à sensação criada no corpo, ela prefere a imagem idealizada do que a sensação percebida. Abdica então de seus sentimentos, sensações, e de seu Self, que é essa experiência corporal, para manter a imagem idealizada pelo ego.
Sem autoaceitação não há amor do self, e a pessoa que não ama a si mesma, não é capaz de amar outra pessoa. A intimidade é a partilha do Self, e para partilhar é preciso ter ao menos o senso de Self. A diferença está entre a pessoa que age em função de uma imagem e a pessoa que age em função de seus sentimentos.
Segundo Lowen (1983), a ausência de sentimento constitui o distúrbio básico na personalidade narcisista. A imagem ganha importância, através da negação do sentimento. Negar o sentimento facilita o bloqueio da função da percepção no corpo, bloqueando o acesso da consciência. Resumindo, a necessidade de projetar e manter uma imagem força a pessoa a impedir que chegue à consciência qualquer sentimento que conflite com a imagem. Ao mesmo tempo, os comportamentos que irão contradizer a imagem são rapidamente racionalizados. Este é um movimento inconsciente, ou seja, a pessoa não age voluntariamente pois age a partir de seu caráter. Essa ação que vem do caráter funciona automáticamente a partir do momento em que se cronifica, ao final da adolescência. Dessa maneira, os comportamentos para com os outros se tornam um caminho aberto para atuação, com uso de crueldade, exploração, sadismo e destruição. O que poderia impedir essas atuações, seria a identificação do narcisista com a outra pessoa, facilitada pela empatia. Porém o narcisista não pode sentir, não pode ressoar através dos sentimentos de outras pessoas, não se identifica, e assim a sua insensibilidade se manifesta. Quando uma pessoa é identificada com uma imagem, vê a outra como uma imagem que, em muitos casos, representa um aspecto rejeitado do próprio self. Os aspectos rejeitados do self acabam sendo projetados em outras pessoas, e isso explica essa atuação em tentar destruir, denegrir, acabar com esse aspecto rejeitado.
O narcisista precisa mentir, pois perdeu a capacidade de discernir a verdade da falsidade. Se identificou com a imagem idealizada e acreditou nessa verdade criada.
A necessidade de poder e controle é outra característica do distúrbio narcisista. Segundo Lowen (1983), a humilhação vivenciada pelo narcisista é a vivência de lhe ter sido negado a atenção e o respeito por seus sentimentos. A criança vive um profundo sentimento de inadequação resultante destas vivências de humilhação e vive esse conflito entre ser ele mesmo importante ou ser importante para o seu pai ou mãe.
O conflito se deu nessa luta entre poder e controle, onde podem ter acontecido punições, castigos físicos com uso de força, reprovações verbais e, também seduções, através de promessas de tratamento especial e maior intimidade com a figura parental.
O desamparo e vulnerabilidade escancarado por esta vivência de humilhação irá marcar o narcisista. Quando necessitar de outro ser humano, irá se confrontar com essa vulnerabilidade. Necessitar de alguém é abrir a ferida sofrida em criança, que, quando desamparada e dependente, era usada pelos pais que detinham o poder.
O narcisista busca o poder e o controle para compensar a sua própria deficiência de vigor, se proteger da humilhação e superar um sentimento de vulnerabilidade. Seu vigor não tem uma força do querer, daquele querer direcionado pelos sentimentos, pois estes são negados. Busca na imagem o falso vigor que pode impedir uma nova possível humilhação.
Concluímos, portanto, que é necessário um suporte sóciocultural para que ocorra a manutenção de um padrão neurótico de atuação característico a uma época. O padrão ainda vigente em nossa sóciocultura atual é o Narcisismo. Ele se estabeleceu, pois se adequou ás necessidades de uma sociedade que não queria mais se sobrepujar às regras sociais e que pudesse ultrapassar os limites antes impostos por elas. Isso levou a uma flexibilização dos hábitos sexuais, demandando uma maior preocupação com o desempenho ou com a capacidade sexual, dando maior importância ao que se mostra, maior importância na imagem que mostramos.
Para que esse “mostrar a imagem” pudesse se encaixar no padrão, foi necessário não mais considerar a experiência do Self (Ego corporal), pois este poderia impedir ou comprometer a concretização do Ego mental (nossa imagem mental). Portanto, para “apagar” o Self, foi necessário ausentar os sentimentos do corpo e estimular a imagem mental projetada e desejada para atender essa demanda do Ego. Atender a demanda do Ego a todo custo, inclui também esconder vivências conflitantes e humilhantes, que ocorreram principalmente no período de desenvolvimento considerado como período de produção, onde a criança após terminada a fase oral, começa a ter o controle sobre seu corpo e emoções e se relaciona diretamente com as figuras parentais buscando sua independência, neste momento, essa independência é debilitada ou impedida por essas figuras importantes para ela. Por isso, o narcisismo pode ser considerado um distúrbio do desenvolvimento do Ego, que acontece com uma perturbação no relacionamento entre pais e filhos.
Referências
LOWEN, A.. Narcisismo: Negação do verdadeiro self, São Paulo: Cultrix, 1983.
VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. Ficha catalográfica. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila do curso de Especialização em Psicologia Corporal. Módulo 2, Unidade 2. Curitiba: Centro Reichiano, 2022
VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. Ficha catalográfica. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila do curso de Especialização em Psicologia Corporal. Módulo 3, Unidade 2. Curitiba: Centro Reichiano, 2022
VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. Ficha catalográfica. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (Org.) Apostila do curso de Especialização em Psicologia Corporal. Módulo 3, Unidade 3. Curitiba: Centro Reichiano, 2022
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